As coisas que nos falam

Giovanna Massoni

Curadora e diretora do evento de design Reciprocity, de Liège.

Pousar o olhar sobre esses objetos provoca um efeito imediato: a empatia. Uma sensação doce, nascida do precário equilíbrio entre causa e efeito, nascida da emoção estética e da percepção de uma forma cotidiana. É arte sobre a qual se pode sentar – o objeto perfeito. Porque estes bancos, meio fetiches, meio obras funcionais, nos falam, como um texto escrito, da Amazônia e das demais terras indígenas, das etnias, dos rituais, dos símbolos, e também do savoir-faire local.

Há alguns anos, o design começou a valorizar as tradições artesanais, a herança local e a produção em pequenas séries. O valor dos objetos reside, mais e mais, em seu poder evocador. Forma e função adquirem sentido quando vinculadas aos usuários dos objetos, ressaltando a relação emocional e afetiva entre os homens e o mundo material. As coisas que nos cercam transformam-se em testemunhos importantes do passado e do presente, e frequentemente -- graças à mediação criativa do artesão, do artista ou do designer -- têm um valor pedagógico e terapêutico sobre aqueles que os observam, analisam ou, mais simplesmente, utilizam.

Os objetos são expressão de uma cultura, de uma visão de mundo, de hábitos e estilos de vida. Essa dimensão material, antes desprezada, é hoje considerada um elemento fundamental de nossa identidade e diversidade. Porque sua missão, mais ou menos direta, é acompanhar ou expor, sem mediação e sem filtro,as necessidades e os desejos de uma época, um status, uma etnia.

É o que ocorre aqui. O gesto é impregnado de cultura popular, a mão é guiada por uma técnica instintiva transmitida de geração a geração, e a iconografia é a das pessoas e das etnias da Amazônia e das florestas brasileiras. Falamos de empatia: os objetos construídos com a inteligência do fazer colocam em cena uma dinâmica de troca e de reciprocidade com o observador/usuário. São interfaces utilitárias e poéticas, receptáculos de memórias; eles nos refletem e, por meio deles e de nossa experiência, somos capazes de construir nossa identidade. Este conjunto de bancos indígenas, colecionados com uma meticulosidade admirável pela Bei, nos conta a história desses povos – aquela que não se encontra na história oficial – e revela sua visão de mundo. São referências criadas por uma arte imperfeita e simples, mas verdadeira, honesta e autêntica. Objetos rituais populares, tesouros de inegável valor antropológico, pioneiros do design contemporâneo em seu comovente equilíbrio entre estética e funcionalidade, esses bancos nos conduzem ao cerne de um questionamento fundamental: o artesanato, o design, a arte e sua responsabilidade primordial na qualidade da relação com o outro (homem, natureza), da qual o objeto é ao mesmo tempo fruto e vetor privilegiado. Poder “tocar” com o olhar essas obras é um presente, que nos é oferecido por uma operação generosa de partilha e salvamento de uma herança a um só tempo tangível e intangível. O texto que ora escrevo não acrescenta nada à força expressiva desses objetos que, como um conjunto de palavras, cria uma sintaxe viva, uma língua compreensível e universal. Escute o que é contado...

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