Mayawari Mehinako relata sua trajetória artística

19/03/2019
Macaco feito por Mayawari (ao centro) exposto no Japão

Conheça os pontos de vista e a trajetória artística, profissional e política de Mayawari Mehinaku, que se apresenta aos falantes de português como João, artista que em 2018 esteve em Tóquio, Japão, como representante dos povos indígenas brasileiros na abertura da exposição Benches of the Brazilian Indigenous Peoples: Human Imagination and Wildlife, no Tokyo Teien Metropolitan Museum. 

 

Meu nome é Mayawari Mehinako, nascido na aldeia Xalapapühü em 1989. Atualmente moro na aldeia Kaupüna, localizada na Terra Indígena Xingu – PIX, pertence no município de Gaúcha de Norte, no estado de Mato Grosso, Brasil. Eu sou artista em design e estética em madeira, faço bancos de sentar esculpidos manualmente com machado, facão, enchó, etc. Também sou graduado em nível superior nas áreas de conhecimento: línguas, artes e literaturas pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT e atualmente me dedico à profissão de professor em escola indígena de nível fundamental e médio.

Aprendi a lixar os bancos desde meus oito anos de idade com o ensinamento do meu pai, Kawakanamu, que me mostrava os processos, as técnicas de acabamentos do produto e os grafismos mehinaku.  Eu sempre prestava atenção nas práticas de produção das peças e seguia sua orientação. Ele também me ensinava a confeccionar cestos de carregar mandioca, colares e pulseiras de tucum, pá de beiju, zunidores, máscaras, remos, arte com plumagem, braçadeira e cerâmicas. Meu pai me incentivava para me tornar artista e, futuramente, transmitir a carreira profissional de geração para geração, pois estava preocupado com que a nova geração não se interessasse em aprender a produzir artesanato. Ele vendia as peças nas lojas de artes nas cidades de Cuiabá, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Esta era a única fonte de renda para comprar os materiais necessários ao nosso cotidiano. Aos 14 anos, me dediquei a fazer um banquinho na forma de uma paca, foi a primeira peça feita por mim em meu processo de aprendizagem. Anteriormente, eu já havia aprendido a fazer pá de beiju de desenhos variados, zunidor, remo e ralador de mandioca. Quando completei 15 anos, fiquei por um ano em reclusão, onde aprofundei a aprendizagem na feitura de colares de tucum, apito de macaco, cestos e pinturas. Posteriormente, continuei trabalhando na arte de esculpir bancos de madeira de formas variadas, como mamíferos, pássaros e peixes. Nesse tempo, fiz meu primeiro banco grande da madeira uluta, na forma de anta, com auxilio do meu pai. No geral, os artistas utilizavam as seguintes madeiras: lixeira, ami, uluta, waxü e pé de pequi. Assim acompanhava e observava as obras de artes dos meus tios e primos verificando as características das peças de cada artista.

Além de formação em arte, estava estudando na Escola Municipal Indígena na aldeia Uyaipiuku com o objetivo de conhecer a ciência do não indígena para me profissionalizar e ajudar a comunidade na representação social.  Diante deste interesse particular, frequentei a escola com bastante esforço e consegui concluir o ensino fundamental. Em 2007, surgiu a oportunidade de uma vaga no curso inicial de formação de professores indígenas ofertado pela Secretaria do Estado de Educação – SEDUC - MT. Assim iniciei a carreira profissional na área de educação, em 2008 fui convidado pela Secretaria Municipal de Educação para lecionar aos alunos do ensino fundamental na Escola Municipal Indígena EMIKIA na aldeia Utawana e em 2009 atuei na rede estadual. Além de ser docente, fui indicado pela comunidade daquela aldeia para ser membro do conselho social de saúde indígena (CONDISI Xingu). Comecei a participar nas reuniões sobre educação, saúde, FUNAI, meio ambiente e outros eventos sociais, seminários e conferências de entes federados. Em 2011, ingressei no curso de graduação e licenciatura intercultural no nível superior ofertado pela Universidade de Estado de Mato Grosso- UNEMAT e concluí o estudo em 2016.  Nessa oportunidade, ocupei a presidência de uma instituição não governamental, a Organização dos Professores Indígenas de Mato Grosso (OPRIMT) defensor da causa politica da educação escolar indígena e pública. Além da presidência, fui membro do Conselho de Educação Escolar Indígena do Estado de Mato Grosso (CEEEI-MT). Através da representação legal da instituição, fiz parte da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena no âmbito do governo federal - Secad/MEC.

No decorrer da trajetória de estudos, nunca abandonei a produção de obras de arte, pela qual sempre fui apaixonado. Nessa ocasião, percebi a necessidade de reconhecimento, valorização e divulgação da arte. Por conta da vida escolar, eu fazia poucos bancos e o tempo era insuficiente. Quando morei na aldeia Utawana comecei fazer os bancos das madeiras piranheira e sucupira e na aldeia Kaupüna continuei a usar as mesmas madeiras, com a inclusão da moreira. Sempre os artistas mehinaku produzem bancos em formas de animais, pássaros, peixes, espécies que são encontradas no próprio território indígena Xingu. Isso também traz valorização de uso no cotidiano para o povo mehinaku.

Do meu ponto de vista, a arte indígena nunca foi debatida e discutida no âmbito público e as lojas não pagavam os preços justos para vendedores e artistas indígenas. Portanto, iniciei uma reflexão sobre divulgação da obra de arte dos artistas que são meus irmãos, primos e tios e que cujos trabalhos necessitam reconhecimento. Identifiquei que os produtos de arte nas lojas representam simbologias de tribos que pertencem à mitologia, cultura, costume e modos de usar. No Brasil, existem diferentes povos e cada um tem sua especificidade de utilidade e grafismos tradicionais. Isso foi uns dos principais fatores que me chamou a atenção para reconhecer as obras como tradicionais, e questionar porque elas são vistas como artesanato ou arte popular. Portanto, meu objetivo é cursar um mestrado com o tema do processo de estetização de bancos de madeiras para o povo mehinaku e sua importância de utilidade no cotidiano. Os bancos se originam em nossos antepassados e continuamos mantendo a sua utilidade e produção. Através disso, a nova geração terá a pesquisa viva e registro sobre a estetização de bancos mehinaku. Outro intuito é divulgar essa pesquisa de forma cientifica para a sociedade nacional e internacional, que precisa conhecer e valorizar a arte indígena."


Veja bancos feitos por Mayawari clicando aqui

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