Bancos Indígenas

Sergio Fingermann

Artista plástico

Algumas vezes somos surpreendidos pela originalidade de formas, usos e ornamentos dos objetos que nos cercam. Somos invadidos por um fascínio, uma espécie de revelação provocada pelas inesperadas soluções formais de suas funções, de sua decoração, de sua adequação aos aspectos técnicos da execução.

É uma questão de se deixar atingir pelo inesperado, pelo surpreendente. É como perceber no escuro, inesperadamente, uma luz que nos alcança. Mesmo se mantivermos nosso olhar fixo na direção escura, poderemos perceber a claridade que se dirige a nós.

Objetos de uso comum ou de devoção ou ainda adereços ganham tratamento formal diferente, uma atenção, um fazer a mais, um fazer distraído, que agrega àquele uso uma singularidade, um afeto. Isso pode se transformar num acontecimento singular, numa manifestação de beleza.

Sabemos que não podemos fugir ao nosso tempo; tampouco se trata de nostalgia, mas é preciso, às vezes, buscar a desconexão, a dissociação, fugir da atualidade, para, por meio desse deslocamento, perceber melhor o nosso tempo.

Uma teia se tece entre o passado e o presente. Há fios secretos, mágicos, que ligam formas de cultura primitiva, arcaicas, com as dos tempos modernos. Ressonâncias de questões ancestrais estimulam artistas contemporâneos, servindo de alimento para a linguagem da arte contemporânea: os temas constitutivos da consciência humana.

O Brasil é um país pluriétnico e multicultural. A cultura indígena ocupa um lugar significativo na nossa formação, embora seja tratada com pouca atenção. Falta aos nossos agentes culturais a compreensão de que a história da cultura indígena é a história do contacto, do encontro.

O que nos encanta nestas produções (a imaginação, a síntese, a leveza) é que nem sempre o destino do objeto é unicamente utilitário. A comunicação do homem com o seu entorno é surpreendente: o índio vê a floresta, os animais e estabelece com eles um diálogo, traduzindo isso em formas anímicas e ornamentando essas peças para manter uma relação com o cosmos. É a fusão da floresta com o mundo animal e espiritual.

As festas e os ritos fazem nascer estas peças, pois em ambas há coincidências de objetivos, de relações, de símbolos. O que ultrapassa suas funções e seus aspectos formais é que elas nos atraem pela força, pela potência expressiva, pela verdade (dessa relação).

Por meio dessas criações encontramos a possibilidade expressiva de afirmação de visão de mundo, tanto no sentido individual como de coletivo.

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