Função, ergonomia, forma e tecnologia são questões inerentes ao design. O conjunto de bancos indígenas apresentados neste livro provoca a reflexão sobre os limites tênues e por vezes subjetivos desses conceitos.
Quando se pensa no ato de sentar, a primeira associação é a busca do conforto. É a função essencial dessa postura que permite relaxar os músculos e descansar da posição ereta. Ao vermos imagens de um escriba egípcio de pernas cruzadas ou de um candango de cócoras percebemos que cada cultura estabelece códigos diferentes para o sentar, e o conforto passa a ser uma noção subjetiva.
Os assentos criados pelas diversas tribos indígenas não têm encosto, são baixos e individuais. No entanto, não havia nenhum limitador para que os índios não colocassem apoios para as costas ou aumentassem sua altura. Os bancos eram concebidos de acordo com o que lhes parecia necessário. As superfícies dos assentos são, na grande maioria, arredondadas. Em alguns exemplares, como no veado feito pelos Trumai ou na onça dos Kuikuro, a curvatura nos dois sentidos traz um conforto adicional. Acredito que houve uma intenção nesse sentido, não apenas o acompanhamento da forma do tronco de madeira. Cantos vivos são desagradáveis no contato com o corpo. Os bancos tem inspiração na natureza e nela não existem ângulos retos.
Os assentos indígenas ampliam o conceito de função para outra dimensão: a simbólica. Os bancos tinham uma função sagrada e um papel importante nos rituais como veículos de transformação e transporte para outros estados da mente e da alma. A maior parte é zoomórfica, e cada animal carrega sua simbologia. As aves, por exemplo, levam para longe, para o mundo sobrenatural; a onça remete à força. Acredita- se que para os indígenas as pernas flexionadas, com os joelhos apontados para cima, propiciava o contato entre a terra e o céu -- talvez uma explicação para a pouca altura dos assentos (ou talvez , nesse universo mágico, não caiba buscar explicações).
Para os índios, sentar em bancos era, quase sempre, uma prerrogativa masculina; seu uso indicava a hierarquia entre os indivíduos. Há uma grande diversidade nas estilizações dos animais e nas pinturas decorativas usadas por certas tribos. A necessidade de fazer diferente é inerente a quem cria, e o artesão quer deixar sua marca. O material, como não poderia deixar de ser para povos que vivem cercados de florestas, é a madeira. O esmero nas curvas e nos acabamentos atesta a alta qualidade dos artesãos.
O racionalismo do século XX repudiou o aspecto simbólico dos objetos, privilegiando a tecnologia e a verdade dos materiais. Só a partir dos anos 1980, a reação pós-moderna provocou o renascimento da linguagem simbólica e decorativa dos objetos, aproximando design e arte. Na produção indígena a simplicidade e a busca da forma espiritual emocionam nessas duas dimensões. Forma e função, crença e arte: uma só intenção, um só desígnio.
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